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Caps AD e a política de redução de danos e humanização em São Gonçalo

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Publicado em:  16/08/2019

“Sou alcoólatra, morador de rua, e quando cheguei aqui me perguntaram se eu queria parar ou diminuir. Bebo há mais de 40 anos, estou diminuindo e minha intenção é parar. Aqui eu achei meu equilíbrio, nunca vou esquecer isso na minha vida!”, contou o eletricista Paulo César de Oliveira Barbosa, de 53 anos, que hoje é o responsável pelo plantio da horta do Centro de Atenção Psicossocial Álcool e Outras Drogas (CAPS AD III) do Alcântara, serviço da Coordenação de Saúde Mental, que tem como objetivo acolher, cuidar e acompanhar pessoas que fazem uso abusivo de álcool e outras drogas. Respeitando os limites, escolhas e a condição humana de seus usuários, o espaço, que funciona 24 horas é o único nesta modalidade no município e pioneiro no Estado do Rio, completa um ano de existência com um trabalho humanizado, ofertando cuidado e promovendo direitos.

No início de junho o Governo Federal sancionou a Lei 13.840, que autoriza a internação compulsória de pessoas que fazem uso abusivo de álcool e outras drogas, sem a necessidade de autorização judicial. Na contramão da compulsão, entra o Caps, que tem como objetivo promover políticas públicas que dialoguem com a humanização do serviço e a descriminalização do indivíduo, a partir de uma perspectiva de saúde integral. Com uma equipe multidisciplinar, formada por enfermeiros, técnicos, psicólogos, assistentes sociais, antropólogos, terapeutas ocupacionais, médicos e farmacêuticos, o serviço atua como um trabalho de redução de danos, que complementa outras medidas que visam diminuir o consumo de drogas como um todo, garantindo a vida saudável e segura para as pessoas que não querem ou não conseguem parar de imediato o uso abusivo de álcool e outras drogas.

“É preciso ser sonhador. Aqui nós acreditamos no que fazemos! A política de redução de danos vem sendo atacada já há algum tempo. A redução é uma resposta aos limites, escolhas e possibilidades de cada um. Aqui ofertamos cuidado para quem precisa. Não podemos centrar a culpa do uso abusivo de drogas apenas no sujeito, muitas coisas podem desencadear esse uso. A falta de emprego, pobreza, discriminação, e tantas outras coisas. Precisamos chamar atenção focando no cuidado com o indivíduo!”, afirmou o psicólogo e coordenador do Caps AD 3, Vinícius Ramos.

Atualmente a unidade assiste cerca de 50 pessoas com oficinas diversas de artesanato, meditação, roda de conversa e leitura, além do trabalho intersetorial com as redes de Educação, Desenvolvimento Social, e todas as instâncias das políticas de promoção de direitos.

“Aqui no Caps trabalhamos também a importância do vínculo com as famílias e com a comunidade local dessas pessoas, além de integrarmos os serviços da rede pública. O acesso é um direito. A condição dessa pessoa não faz com que ele deixe de ser um cidadão!”, afirmou a articuladora de rede da unidade, Arlete Inácio.

Desinstitucionalização pode parecer uma palavra difícil, mas, pensar seu significado e importância facilitam a compreensão de que tratamentos que garantam autonomia e cidadania a todos os sujeitos são possíveis.

“Se eu soubesse que existia um espaço como esse hoje eu teria uma vida muito melhor. Tenho 52 ano e bebo desde os meus 14. Já passei por outras instituições, mas aqui eu encontrei carinho e respeito pela minha história!”, disse Deusimar Corrêa da Silva, assistida na instituição. De acordo com a coordenação, álcool e cocaína são as maiores incidências de uso na unidade.

“O Caps é uma peça fundamental no território para quebrar os preconceitos e esteriótipos relacionados a usuários de drogas. Nem todas as pessoas que usam drogas cometem crimes ou são perigosas. As pessoas tendem a ligar todo usuário de drogas à criminalidade. É importante também dizer que esse usuário não pertence ao Caps, e sim à rede. O Caps é uma ferramenta que trabalha para que ele acesse os espaços, reduzindo inclusive os estigmas. O usuário é do SUS, da política pública que ele tem acesso e direito como um todo!”, afirmou a coordenadora da Saúde Mental, Cida Lobosco.

Uma das circunstâncias que atravessam o uso abusivo de drogas é a situação de rua. A coordenadora técnica do CAPS AD II, localizado no Gradim, atuante desde 2012 em São Gonçalo, Luciana Alves, conta que o acolhimento e a abordagem nos territórios são fundamentais para que o usuário tenha acesso aos serviços.

“Nem todos vão chegar e nós precisamos ir até eles, e assim criar e fortalecer vínculos. A minha experiência no trabalho com álcool e outras drogas me fez ver que a criação de vínculos faz com que esse sujeito retorne e tenha acesso ao trabalho que fazemos. O que importa para nós é a saúde dessa pessoa e o quanto podemos cuidar dele e promover autonomia!”, afirmou.

Na unidade são realizadas atividades de Grupo de família, oficina da palavra, grupo sou 12/8 (aferição de pressão e saúde do homem), oficina de cuidado, oficina tecendo autonomia, grupo de meditação e oficina de vídeo. Além disso, a equipe de redução de danos ainda realiza um trabalho externo de horta comunitária, a Comunidade Viva. Um projeto de base comunitária nascido em 9 de Novembro de 2016 com o intuito de reinserção social dos usuários de drogas de cenas de uso do bairro de Neves e arredores.

“A criminalização das drogas é um processo histórico, há pouco mais de um século não existia essa guerra às drogas e essa tensão proibicionista. Por algum momento na história especiarias já foram proibidas, álcool em determinados países e culturas. Então, o fato é que a sociedade usa drogas, só que algumas são permitidas por lei e outras não. As pessoas fazem uso por diversos motivos. A questão da periculosidade e do estigma tem mais a ver com questões raciais do que qualquer coisa, uma vez que a população negra é a mais afetada nessa guerra. Não é relacionada somente aos danos, porque as drogas que mais causam mortalidade hoje são álcool e cigarro, e ninguém quer prender quem tem descontrole com isso. Então essa discussão também é um espaço do Caps!”, afirmou a a psicóloga, sanitarista e articuladora intersetorial e comunitária da rede de saúde mental de São Gonçalo, Kassia Rapella, que atua na Comunidade junto a Phillipe Rocha.

Autor: Thayná Valente
Foto: Jonas Guimarães
Fonte: Ascom

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